História das corridas de sportscars nos EUA – Parte I

Sebring 1961

Sebring 1961

Numa altura em que já decorreram as míticas provas de 2016, Daytona e Sebring, não há melhor pretexto do que contar a história das corridas de sportscars no território norte americano, onde as grande marcas mundiais sempre lutaram com bravura pelo seu momento de glória, um pouco à semelhança do que aconteceu do lado de cá do Atlântico nas grandes pistas europeias… Para que se compreenda melhor a origem, como este género de corridas se desenvolveu e o seu legado nos dias de hoje, a história está dividida por eras, desde os anos 60 até aos tempos de hoje. Daytona e Sebring constituem a catedral do automobilismo norte americano em pleno Estado da Flórida (EUA). Vejam como tudo começou e o porquê do interesse das marcas europeias em marcar território em terras do Tio Sam, rivalizando com as marcas caseiras.

 

De 1948 até 1970

A origem das corridas dos carros modernos de desporto remonta ao ano de 1948, quando um antigo veterano da 2ª Grande Guerra, Cameron Argetsinger, decidiu organizar uma corrida de Grande Prémio nas ruas de Watkins Glen, estado de Nova Iorque. O evento foi um sucesso, e outras iniciativas se seguiram.

Alec Ulmann, depois de ter assistido a uma edição das já bem famosas 24 Horas de Le Mans, decidiu criar um evento que rivalizasse com a clássica francesa, na zona de Hendricks Field, uma antiga base de treinamento militar da Segunda Guerra Mundial localizada nas imediações de Sebring, Flórida. Começou com uma prova de três horas em 1950, e em 1952 a duração da prova foi extendida para 12 horas. No ano seguinte, fez parte do World Manufacturers Championship, onde continuaria ininterruptamente até 1972, com multidões a desfrutar facilmente da corrida e de um clima ameno de inverno.

Enquanto isso, William H.G. France fundava a NASCAR em 1948 com o fim de chancelar as corridas de stock cars, incluindo os eventos que ele organizava no circuito misto de estrada e praia em Daytona Beach, Flórida. Aquele a quem chamavam de “Big Bill” também gostava de sportscars, organizando corridas perto do aeroporto de New Smyrna Beach. O mesmo indivíduo construiu, anos mais tarde, em 1959, o Daytona International Speedway, no que foi um passo inédito de construção de um circuito em terreno arável integrado na tri-oval inclinada de 2.5 milhas (aproximadamente 4 km). Em 1962, depois da realização de algumas corridas clubistas no autódromo, William H.G. France organizou o seu primeiro evento internacional, o Daytona Continental (como prelúdio do Daytona 500) que seria realizado um mês antes da corrida de Sebring.

Dan Gurney foi o primeiro a cortar a meta no primeiro Daytona Continental, conseguindo a vitória mesmo quando o motor do seu Lotus Climax 19B foi abaixo quando tinha acabado de passar a linha da meta, a um minuto do fim da corrida. Gurney continuou a desempenhar um papel muito importante nas corridas de resistência ao longo dos anos 60, regressando às corridas já no limiar dos anos 80 como chefe de equipa.

Como a Ford e a Ferrari prontas para a guerra, o cenário estava montado para expandir o tempo de duração das duas corridas de Flórida. Depois de duas bem sucedidas corridas de três horas de duração, William H.G. France extendeu a corrida de Daytona para 2000 quilómetros em 1964, aproximadamente mais 30 minutos do que a clássica corrida de Sebring.

A italiana Ferrari impôs o seu prestígio ao varrer os pódios nas corridas de Daytona, Sebring e Le Mans em 1964. Dan Gurney obteve um quarto lugar nas corridas de Daytona e Le Mans ao serviço da marca da oval azul de Michigan, a norte americana Ford, que estava a utilizar nesse ano o seu novo Daytona Coupe desenvolvido por Carroll Shelby, ao passo que estava a desenvolver o esboço de um novo carro destinado apenas a corridas.

Para 1965, Ford apresentou uma nova arma, o esguio GT40, e começou por arrasar a rival Ferrari com um top-4 na corrida de Daytona. Ken Miles e Lloyd Ruby lideraram a armada Ford, enquanto que o melhor Ferrari apenas terminou em sétimo. A equipa de fábrica da firma de Maranello optou por não participar na corrida de Sebring, onde o protagonista foi um Chaparral 2 com motor Chevrolet conduzido por Jim Hall e Hap Sharp que triunfou sobre o GT40. O cenário estava montado para uma disputa acérrima entre a Ford e a Ferrari em Le Mans, onde a Ferrari levou a melhor com um pódio completo, ao passo que a Ford não conseguiu sequer terminar a corrida com as duas versões do GT40 que levou para a corrida (Mk I e Mk II).

Depois do desaire em Le Mans naquele ano, a Ford, depois de uma tentativa falhada em comprar a Ferrari, não poupou esforços para 1966. Aproveitando a oportunidade, France estendeu a duração da prova de Daytona para 24 horas, transformando-a nas 24 Horas de Daytona, que serviria como prova de abertura do Campeonato do Mundo de Construtores da FIA. Miles e Ruby repetiram a vitória do ano passado com a Ford, liderando um pódio completo de versões Mk II do GT40. O melhor Ferrari foi o modelo 365 conduzido por Mario Andretti e Pedro Rodriguez. A Ford voltou a repetir o pódio em Sebring. Em Le Mans a Ford fez um belíssimo “photo finish” com mais um pódio completo do ano, naquela que foi a sua primeira vitória de sempre no circuito de La Sarthe.

Ao longo de 1966 a Ferrari fez-se representar nos EUA pela North American Racing Team (N.A.R.T.) de Luigi Chinetti. Mas, em 1967, o fabricante italiano de carros de corrida resolveu por si mesmo colocar um par de modelos de fábrica 333P4 (talvez o mais belo sportscar da Ferrari alguma vez construído) e dominou a corrida de Daytona, conseguindo mesmo mais um pódio completo nas “quintas” da Ford. Tendo em conta isto, optou por não alinhar na corrida de Sebring, onde Mario Andretti e Bruce McLaren triunfaram no novo Ford GT40 Mk IV sobre o Mk II de A.J. Foyt e Ruby.

O climax da batalha entre a Ford e a Ferrari aconteceu na corrida de Le Mans, em 1967, onde um par de pilotos norte americanos, nomeadamente o veterano piloto de Fórmula 1 e vencedor do Daytona Continental de 1962, Dan Gurney, e o duas vezes vencedor da Indy 500 e quatro vezes campeão do USAC Indy Car, A.J. Foyt, triunfaram, após acérrima luta com os Ferrari que durou de princípio ao fim, com um GT40 preparado por Carroll Shelby.

Uma nova regulamentação da FIA, a meio da temporada daquele ano, que seria estreada em 1968, que limitou a cilindrada do motor para 3 litros, tornaram os modelos da Ford e da Ferrari obsoletos, levando mesmo ao fim da rivalidade acesa entre estas duas marcas. Isto foi, contudo, uma janela de oportunidade para a alemã Porsche. Estreando 5 exemplares do modelo 907 de cauda longa, a Porsche começou logo por varrer literalmente o pódio em Daytona, com outro belo “photo finish”. Jo Siffert e Hans Herrmann, que estiveram entre os cinco pilotos que dividiram a condução do carro vencedor, triunfaram sobre outro Porsche em Sebring, local onde a Porsche obteve a sua primeira vitória à geral em 1960 com os pilotos Herrmann and Olivier Gendebien com um RS60.

A década fechou com com uma corrida agreste em Daytona, onde os Porsche de fábrica cederam, um após outro, devido a uma falha no eixo de transmissão. Mark Donohue e Chuck Parsons acabaram por levar de vencida num protótipo Lola movido com motor Chevrolet da equipa de Roger Penske. Em Sebring, Jacky Ickx e Jackie Oliver venceram no velhinho Ford GT40 preparado por John Wyer.

Graças a uma rivalidade acesa entre a Ford e a Ferrari na clássica de Le Mans, Daytona juntou-se a Sebring para partilharem o panorama internacional de corridas de resistência com sportscars com o evento europeu de referência. Ambos os eventos americanos continuaram a crescer de prestígio na década seguinte, apesar das mudanças regulamentares e de uma escassez doméstica de combustível que ameaçou o desporto automóvel nos EUA.

A magnífica história das corridas americanas de sportscars continua na Parte II…

NOTA: O presente texto é uma tradução, com ligeiras adaptações, a partir do texto disponível no seguinte link do sítio de internet oficial da IMSA:

http://www.imsa.com/articles/sixties-sports-car-racing-comes-age

Sobre António Barroso Ricardo

Nascido em Lisboa a 25 de Março de 1981, mudou-se para o Porto aos quatro anos, onde vive atualmente. Paixão por automóveis já existe desde pequenino. Portista de gema e fã incondicional de Ayrton Senna.
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